Alexandra Salete Dougokenski, 34 anos, vai a júri pelo assassinato de Rafael Mateus Winques, 11 anos
Às 9h30min desta segunda-feira (21), Planalto começará a decidir o desfecho de um crime que estarreceu o município de 10 mil habitantes no norte do RS. Em maio de 2020, o desaparecimento de um menino, algo já incomum para a cidade, transformou em um caso policial. A mãe dele, Alexandra Salete Dougokenski, confessou à época ter matado Rafael Mateus Winques, 11, e escondido seu corpo dentro de uma caixa de papelão a poucos metros de casa. Nesta semana, ela será julgada pelo assassinato.
Na primeira etapa da sessão, realizada na sede do Independente Futebol Clube, a juíza Marilene Parizotto Campagna analisará possíveis pedidos feitos por acusação e defesa, e dispensa de jurados. Os nomes das sete pessoas da comunidade que vão integrar o Conselho de Sentença serão sorteados a partir de uma lista de 25.
É a magistrada quem confere se na urna estão todas as cédulas. Assim que o nome é retirado, a juíza faz a leitura. Defesa e Ministério Público (MP), nesta ordem, podem recusar até três jurados, sem apresentar motivo.
Essa é uma etapa estratégica, na qual as partes podem optar por descartar jurados com base na análise de perfil. A defesa pode entender que determinado jurado será mais favorável à condenação e, por isso, pedir sua retirada, ou ao contrário, no caso da acusação. O jurado recusado é excluído e o sorteio segue, até a formação do conselho com sete integrantes. Assim que forem escolhidos, os jurados juram examinar a causa com imparcialidade e decidir com base na consciência e na justiça. Antes dos depoimentos, recebem o documento onde consta a decisão de levar a ré à júri.
Na sequência, possivelmente no fim da manhã ou começo da tarde, passam a ser ouvidas as 11 testemunhas. As primeiras a falarem à Justiça serão as chamadas pela acusação. Cinco delas são tanto de acusação quanto de defesa, num total de seis homens e cinco mulheres.
A juíza é quem dá início às perguntas. Quando a testemunha for de acusação, na sequência, questionam os promotores e assistente de acusação, e, por fim, os advogados da ré. Da mesma forma, nas testemunhas de defesa, o advogado da ré faz as perguntas antes do MP e do assistente. Os jurados podem questionar as testemunhas, mas apenas por intermédio da magistrada.
Testemunhas
Professora de Rafael, Ana Maristela Stamm vai abrir os depoimentos das testemunhas. Quando foi ouvida pela Justiça, em dezembro de 2020, a educadora falou sobre o perfil do menino, que era bastante tímido em sala de aula. Aluno Instituto Estadual de Educação Pedro Vitório, Rafael era o tipo que sentava na primeira fila. Tinha vergonha de ler textos na frente dos colegas, mas apresentava desempenho excelente em matemática. Quando foi morto, o garoto estava no 6º ano, numa turma de 12 crianças.
Além da professora, há expectativa de que pelo menos um delegado de polícia possa ser ouvido nesta segunda-feira. À frente da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa em Porto Alegre, Eibert Moreira Neto viajou para Planalto em maio de 2020. O delegado integrou o reforço deslocado para a cidade para auxiliar na investigação do caso. Por um mês, os agentes permaneceram no município, até a conclusão do inquérito.
Além dele, também será ouvido Ercílio Carletti, o delegado que coordenou as investigações desde o começo. Foi ele quem ouviu a primeira confissão de Alexandra, em 25 de maio, dia no qual ela indicou o local onde estava o corpo do filho. Os depoimentos dos policiais são considerados relatos mais técnicos e acredita-se que poderão ser os mais longos, em razão do detalhamento do caso.
Neste contexto, é possível que somente a professora e um delegado sejam ouvidos na segunda-feira, deixando os demais para a terça-feira. Falarão ainda uma policial civil e uma perita do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que acompanhou a reconstituição do crime — ambas serão ouvidas por videochamada.
Familiares
Isaílde Batista, mãe de Alexandra, e o filho da ré, que tinha 17 anos na época do crime, serão ouvidos como informantes (sem obrigação legal de dizer a verdade). Quando falou à Justiça, a mulher disse não acreditar que a filha tenha matado neto.
— Tinha que ter investigado mais — repetiu.
A defesa de Alexandra chegou a indagar se Alexandra poderia assassinar o filho pelo uso excessivo do celular. A avó respondeu que isso nunca iria acontecer. Isaílde garantiu que a filha era tranquila e protetora como mãe. O depoimento do filho de Alexandra também é considerado importante porque ele era o único a estar na casa, além da mãe, na noite em que Rafael foi assassinado.
Ex-namorado da ré, Delair de Souza também será ouvido. Quando falou à Justiça, na fase de instrução do processo, ele garantiu que ela era boa mãe, mas disse que a então namorada não auxiliou nas buscas ao filho. O pai de Rafael, Rodrigo Winques, ex-marido de Alexandra, que vivia em Bento Gonçalves, na Serra, será a última testemunha.
— Serão depoimentos bem sensíveis, delicados. Rafael merece justiça. Uma criança que morreu por ser criança, ser inocente, amava a mãe. Jamais imaginava que seria vítima dessa monstruosidade — afirma a promotora de Justiça Michele Dumke Kufner.
Entre os momentos considerados pela defesa como decisivos para a decisão dos jurados, estão o depoimento do filho de Alexandra, o interrogatório da ré, o depoimento do pai de Rafael, e, por fim, a acareação entre os dois.
— Ali, os jurados vão ter sua convicção. Nossa expectativa é a melhor: demonstrar a inocência da Alexandra — diz Jean Severo, criminalista em defesa da ré.
Os depoimentos devem ser ouvidos entre o primeiro e o segundo dia, podendo se estender ao terceiro, dependendo da duração de cada um. No terceiro dia, acredita-se que Alexandra seja ouvida, embora tenha a opção de ficar em silêncio. A defesa garante que ela irá contar sua versão.
Interrogatório da ré
Há expectativa para saber o que a mãe de Rafael irá detalhar em plenário. Desde 15 de maio, ela apresentou quatro versões. A primeira foi o desaparecimento, depois disse que havia matado o menino sem querer, ao dopá-lo com medicamentos, e indicou o local onde estava o corpo. Posteriormente chegou a confessar ter asfixiado a criança, mas diz ter sido coagida. Atualmente, a defesa alega que ela é inocente e que quem cometeu o crime foi o pai de Rafael.
— Ela vai falar e contar toda a verdade. Quer falar. Alexandra não matou o Rafael. Segundo ela nos contou, quem matou foi o pai, sem querer, sem intenção. Ele queria levar o Rafael e ele não queria ir com ele — afirma Severo.
Durante o depoimento na Justiça, Alexandra se negou a responder as questões do Ministério Público e dos assistentes de acusação. A tendência é de que ela repita isso no júri. A acusação sustenta que as provas colhidas durante o inquérito apontam somente Alexandra como a responsável pelo crime.
— Vamos levar ao plenário a verdade, sem esconder nada dos jurados. Sempre trouxemos a mesma versão. Nunca mudamos uma vírgula. Desde que a denúncia foi oferecida, tivemos convicção da culpa da Alexandra. Ela matou e matou sozinha. Vamos ao plenário demostrar todas as provas — afirma a promotora Michele.
Assistente de acusação em nome de Rodrigo, o advogado Daniel Tonetto pondera que é direito da defesa apresentar sua versão, mas argumenta que a investigação descartou qualquer possibilidade do envolvimento do pai no crime.
Um momento aguardado no júri é a possível acareação entre a ré e o ex-marido. Isso deverá acontecer após o depoimento de Rodrigo — última testemunha a ser ouvida — e o interrogatório de Alexandra. Durante a acareação eles poderão ter que responder mais perguntas para esclarecer esses pontos.
— Rodrigo está tranquilo com a possibilidade da acareação. Mas claro que sofre muito. É muito triste que, além de perder o único filho, um pai seja acusado de um absurdo desses. Uma mãe que mata um filho e apresenta o comportamento como o dela é algo que surpreende até quem está acostumado a lidar com crimes bárbaros. Não tenho a menor dúvida de que foi ela, mas o réu tem direito de mentir — diz o criminalista.
As sessões
Diariamente, as sessões serão divididas em três turnos, com intervalo de uma hora para almoço e jantar, além de pausa para descanso dos jurados. Com exceção de segunda-feira, o início se dará às 9h, e a duração dependerá dos detalhes acordados entre a juíza, as partes e os jurados.
Ao longo dos dias, os jurados permanecerão incomunicáveis, acompanhados de oficiais de Justiça. Da mesma forma, as testemunhas também precisam ficar incomunicáveis desde o dia do julgamento até o momento em que serão ouvidas as 11 (caso as partes concordem, a liberação pode acontecer assim que encerrar a oitiva de cada testemunha).
O acesso
Todos no júri deverão apresentar passaporte vacinal contra covid-19 ou exame de PCR realizado com 72 horas de antecedência. A medida é válida para as equipes de trabalho envolvidas no julgamento, bem como jurados, testemunhas, imprensa, familiares e partes.
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