Para alfabetizar crianças negras professora transforma a própria casa em escola em São Leopoldo

A professora Fernanda Oliveira com as filhas Isabella, 14, e Giovanna, 12 — Foto: Arquivo pessoal

É no bairro Pinheiros, em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, que a pedagoga Fernanda Oliveira, de 41 anos, abriu as portas da casa onde mora para alfabetizar gratuitamente crianças negras durante as férias escolares.

Professora há mais de 20 anos na rede municipal de Novo Hamburgo, Fernanda decidiu unir a vida profissional com o desejo de fazer a diferença para a comunidade negra.

”Um ato simples, mas que marcasse a vida de algumas crianças” resume.

O objetivo é conectar o letramento à cultura afro-brasileira, fazendo com que os pequenos também se apropriem de sua identidade negra para enfrentar o racismo cotidiano.

“Acredito que quando a pessoa sabe ler e escrever ela tem autonomia para fazer suas escolhas e não se conformar com o sistema e a forma que as coisas são impostas para nós”, destaca a professora.

Fernanda explica que crianças não alfabetizadas já são automaticamente deslocadas da sociedade. Entretanto, as crianças negras precisam enfrentar também o racismo, o que resulta em diversas consequências no futuro.

“O racismo gera baixo autoestima nas pessoas e isso vira uma bola de neve. A partir do 6º ano há uma grande vasão escolar, poucos chegam ao ensino médio e muito menos em uma Universidade”, ressalta.

A pedagoga reconhece que as políticas públicas resultaram em um aumento de alunos negros nas universidades, mas lembra que ainda são poucos que conseguem concluir uma graduação.

“Não basta só ingressar numa universidade, existe todo um contexto que dificulta: o deslocamento, o transporte, a compra de material”.

Fernanda é formada em pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e sempre focou os estudos em meninos e meninas negras, tendo como tema do trabalho de conclusão o Protagonismo Negro na Escola Pública.

Com o trabalho que realizará nas férias, que considera de “formiguinha”, a professora deseja gerar frutos além da alfabetização.

“Quero que eles conheçam sua cultura e desassociem de questões escravocratas, que o negro só tem sucesso em profissões específicas. Que eles saibam que podem ser jogadores de futebol ou estar na dança e no carnaval, mas também podem ser médicos, advogados. Podem escolher o que querem ser”, enfatiza.

Para as atividades, Fernanda conta com um grupo de apoio, formado especialmente pelas filhas Isabella e Giovanna, de 14 e 12 anos, respectivamente. A ideia do trio é contar com uma Afroteca, com materiais da cultura afro, livros escritos por autores negros assim como obras com personagens negros nas capas, para as crianças se enxergarem em diferentes contextos.

“Queremos criar um ambiente alfabetizador propício à identidade afro”, diz.

As vagas são limitadas para 10 crianças, em grupos de no máximo duas. As aulas ocorrem às quartas-feiras na casa de Fernanda.

Fonte: g1.globo.com