Oscilação no dólar compromete estabilidade da economia

 Foto: Valter Campanato / Agência Brasil / CP

O dólar deverá ter bastante oscilação ao longo deste ano, o que não é considerado positivo por especialistas, ainda que em determinados momentos o real se mostre valorizado frente à moeda norte-americana, como vinha acontecendo nesta última semana. Na quarta-feira, a divisa caiu abaixo de R$ 5, para R$ 4,94. Recuou a R$ 4,92 na quinta e a R$ 4,91 na sexta. A moeda brasileira se mostra mais forte, mas há uma percepção de que passará por muita volatilidade, o que é baseado na estimativa para a cotação comercial de 2023 feita pelo Banco Central. O valor previsto em R$ 5,25 até o final deste ano é bem superior à faixa de R$ 4,90 vista nestes últimos dias. Especialistas lembram que o melhor câmbio não é aquele desvalorizado ou vice-versa. Para segmentos como a indústria e para o comércio exterior, o mais importante é que esteja estável.

“Dólar na faixa de R$ 4,90 não é necessariamente ruim para nossa exportação, mas o que acaba impactando muito mais é a falta de previsibilidade”, avalia a economista Priscila Linck, coordenadora da unidade de Inteligência de Mercado da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Ela relembra também que em 2021 o dólar estava na faixa de R$ 5,39. “Ganhamos mercado no exterior dando desconto no preço médio”, observa. Em 2022, acrescenta, houve necessidade de recomposição de preço. Na última sessão de câmbio do ano passado, por exemplo, realizada em 29 de dezembro, o valor era menor frente à média de 2021: R$ 5,28. Mesmo assim o cenário ainda era favorável em relação às negociações. O ano passado somou 141,9 milhões de pares de calçados exportados pelo Brasil, o que gerou mais de 1,3 bilhão de dólares em divisas.

Os números são 14,8% superiores em volume e 45,5% em receita frente aos registros de 2021, conforme informações publicadas no site da Abicalçados. Neste ano, porém, a economista enfatiza que o cenário inclui dificuldades como inflação e concorrência acirrada com a China após o encerramento de restrições ligadas à pandemia de Covid-19.
A moeda norte-americana também se tornou o assunto da última semana durante a viagem do presidente Lula à China. Na passagem por Xangai, durante cerimônia de posse de Dilma Rousseff no comando do Banco do Brics, Lula defendeu a criação de uma moeda comum para o bloco formado pelo próprio Brasil e pela China, além de Rússia, Índia e África do Sul. “Hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar quando poderia exportar na sua própria moeda”, sugeriu.

Ainda que a inflação já estivesse a galope desde 2020, período da crise provocada por isolamentos impostos pelo coronavírus, é neste ano de 2023 que são reforçadas as projeções de recessão nos Estados Unidos, o que acaba desvalorizando o dólar não só no Brasil, mas no resto do mundo. Exemplos deste movimento na última semana foram recuos também frente ao euro e à libra. Austan Goolsbee, presidente do Federal Reserve (Fed) em Chicago, admitiu “clara persisência” da inflação e a possibilidade de recessão da economia americana. O executivo ainda desconversou sobre a próxima reunião de política monetária que vai definir o juro nos Estados Unidos em maio.

“Sobre o câmbio caindo no Brasil, isto não é um fenômeno que ocorre apenas aqui”, acrescenta Aderbal Lima, diretor e coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do RS (Fiergs). “As principais moedas fortes e outras não tão fortes, todas elas apreciaram em relação ao dólar nas últimas semanas. É um fenômeno que não tem nada a ver com política e sim com taxas de juros”, assinala. “Nos Estados Unidos, apesar de haver ainda espaço para um pequeno aumento nos juros que o Fed determina, talvez 0,25%, chegando a 5% anuais, a tendência de médio prazo é que as taxas de juros nos EUA vão cair mais e isso afasta o investimento em dólar”, explica. “Por outro lado, no Brasil, com as taxas super altas, há um influxo de dólar para especulação também no Brasil”, analisa.

Além disso, alerta o diretor, as receitas com as exportações apresentam trajetória de queda. “O volume já vem caindo, apesar do valor de vários produtos brasileiros ainda estar em alta, mas a tendência é de queda também”, reitera. “É menos atraente para o exportador gaúcho ou brasileiro porque ele vai ganhar cada vez menos”, prevê. Lima recorda que havia empresas competitivas com o dólar valendo R$ 5,50, R$ 5 e até um pouco abaixo de R$ 5. Entretanto, o executivo entende que há espaço para a cotação recuar para até R$ 4,60 muito em breve, e neste caso estas empresas já não teriam lucro exportando. Lima destaca também que um dólar mais barato favorece a importação, o que desfavorece o produto brasileiro, já que a concorrência com produtos de países asiáticos é sempre pesada e mexe com a balança de pagamentos. “O cenário é instável e deve seguir bastante oscilante até o final do ano”, concluiu Priscila Linck.

Fonte: correiodopovo.com.br