“Fui jogada no lixo”, diz professora que aguarda remédio controlado do governo há 2 meses

Foto: Guilherme Almeida

Quatro meses depois da mudança do Centro Logístico de Medicamentos Especiais (Celme) para a avenida Azenha, em Porto Alegre, a situação das filas de usuários em busca de remédios controlados ainda carece de melhorias. E para agravar a situação, há relatos de falta de medicações, prejudicando a vida normal de quem depende deles, além de excesso de burocracia no espaço. Hoje pela manhã, o movimento de pessoas era intenso, e havia quem aguardasse na calçada em frente ao local.

Desde 12 de dezembro de 2022, a gestão do espaço é feita pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio da Associação Hospitalar Vila Nova, mas o estoque de remédios continua sendo gerenciado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). Tal situação gera confusão e apreensão, como para a professora universitária Gicele Santos da Silva, moradora do bairro Hípica. Ela faz uso do adalimumabe, para tratamento da espondiloartrite aquilisante, bem como tem diagnóstico de fibromialgia.

Ambas as doenças são autoimunes. Porém, devido à burocracia, há dois meses ela não toma o medicamento. “Já estou sentindo os reflexos”, relata. “Passei por um período longo de internação após uma crise sem precedentes para uma delas. Uma dose do adalimumabe custa em torno de R$ 20 mil, e preciso de duas por mês”, explica Gicele, informando que o tratamento iniciou após a melhora em sua condição.

A professora conta que, quando necessitou inicialmente, ingressou junto ao governo para receber a medicação e conseguiu de forma célere. “Nos cinco meses após a liberação, o medicamento sempre esteve disponível para mim. Quando chegou na sexta entrega, fui comunicada de que não havia a disponibilização do mesmo e não havia data para retorno”. Mais tarde, a professora procedeu com a renovação semestral, porém a atendente do Celme teria dito que o medicamento ainda não estava disponível.

“Houve uma alteração do laboratório responsável pela produção do mesmo e não há previsão de entrega. Todos os pacientes recebedores deste medicamento teriam nos processos uma alteração sobre o novo fornecedor. Isto ainda não ocorreu. Não recebi nenhum comunicado do Celme sobre o novo laboratório”, relatou ela, apreensiva. “Assim como eu, outros pacientes devem estar preocupados com a demora e a consequente regressão do tratamento. Desde esta mudança de responsabilidade para a SMS, o atendimento, que era dinâmico, regrediu, e está muito confuso para os usuários”, disse Gicele.

No Celme em si, os funcionários relataram saber do problema, e informaram que, na última sexta-feira, o Estado encaminhou “alguns medicamentos” que estavam em falta, mas não souberam informar quais. Já outros “ainda estão em falta”, e poderia haver quem chegasse ao local e não saber se seu remédio estaria disponível. O aposentado Adelson Fernandes estava aguardando para receber o Alenia, utilizado para tratamento da asma. “Antes, eu recebia quatro caixas por mês. Agora, apenas uma. Isto me atrapalha um bocado. Talvez seja pela falta dele”, comentou ele, que mora no bairro Menino Deus.

Segundo Adelson, o antigo endereço do Celme, na esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Riachuelo, no Centro Histórico, quando o espaço ainda se chamava Farmácia de Medicamentos Especiais, “era melhor para o acesso”. Procurada, a SMS informou apenas que o estoque dos remédios controlados é de responsabilidade do Estado. Também hoje, o titular da secretaria, Mauro Sparta, disse que as filas “já diminuíram muito”.

“O que demora mesmo é o encaminhamento da documentação”, justifica, atribuindo, portanto, a responsabilidade do grande volume de usuários a questões estaduais. “A pessoa pode levar seus documentos e receituário em cinco locais do município”. Ou seja, não é necessário encaminhá-lo diretamente no Celme. De qualquer forma, Sparta afirma que a SMS estuda um sexto local, na avenida Salgado Filho, no Centro Histórico, apenas para abertura de protocolos.

Já a SES relata que há estoque para atender às demandas, e que o município “precisa informar o motivo de o medicamento não estar chegando até o usuário, se isto estiver acontecendo”. Sobre a Alenia, há mais de 64 mil frascos disponíveis, e sobre o adalimumabe, “o mesmo é comprado pelo Ministério da Saúde e distribuído de acordo com a necessidade de Estados e municípios”, disse a secretaria.

Ainda, a secretaria disse que checaria se há cronograma de entrega por parte do ministério. Enquanto isso, Gicele, que precisa do remédio para seguir sua vida normal, critica o município e permanece no meio do impasse entre governos. “A gestão Porto Alegre me dispensou de uma forma feia e totalmente ilegal. Estou muito triste, frustrada, decepcionada. Tive uma recaída da minha saúde e não tenho ânimo para nada. Só sei chorar e ficar na cama. Fui jogada no lixo. As sequelas da doença são muitas. Já afetou um dos olhos e sou hipertensa. Sem tratamento, ficarei paralisada”, relata ela, que faz uso de um andador para se deslocar.

Fonte: correiodopovo.com.br