Nova cepa gerou poucos casos em diferentes nações e não deve gerar nova onda, em meio à alta cobertura vacinal e grande número de infectados pela Ômicron
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou na manhã desta terça-feira (15) dois casos confirmados de covid-19 gerados pela variante “deltacron”, como vem sendo informalmente chamada por cientistas – no Amapá e no Pará.
GZH entrevistou um médico infectologista e dois virologistas para explicar se isso é ou não motivo de preocupação. Veja perguntas e respostas a seguir:
O que é a “deltacron”?
É uma nova variante da covid-19 que combina o “corpo” da Delta e a proteína spike, parte externa responsável por se conectar à célula humana, da Ômicron. É outra recombinação viral, assim como o “flurona” (covid-19 e influenza), que não inspirou alerta para cientistas.
Onde e quando ela surgiu?
Não se sabe com certeza onde surgiu, mas a “deltacron” foi identificada primeiro na França em janeiro deste ano. Ela já foi descrita na Holanda, Chipre, Dinamarca, Reino Unido, Estados Unidos e, agora, no Brasil. Pouquíssimos casos foram identificados nas nações.
O cientista Etienne Simon-Loriere, do Instituto Pasteur, na França, declarou ao jornal The Guardian que é possível que haja diferentes recombinações da Delta com a Ômicron a depender do país.
A “deltacron” francesa tem alterações nos mesmos locais das versões holandesa e dinamarquesa, mas não as mesmas regiões da “deltacron” inglesa e norte-americana – portanto, é possível que tenham surgido recombinações de forma natural, e não “exportada”.
Como ela surgiu?
A recombinação de duas variantes diferentes ocorre quando uma pessoa é infectada ao mesmo tempo por duas cepas distintas. É como se você fosse a um bar, retirasse a máscara e duas pessoas ao redor estivessem infectadas por covid-19 – um indivíduo com Delta e outro, com Ômicron. Ao inspirar o ar do ambiente, você inalaria as duas variantes.
Dentro das células do seu corpo, a Delta e a Ômicron seriam recombinadas e, na hora da replicação celular, o vírus teria partes combinadas de ambas as variantes. Recombinações são comuns e bem documentadas com o HIV e o vírus influenza da gripe. Diversos cruzamentos ocorrem inclusive para o Sars-Cov-2, mas nem todos são documentados pela ciência.
A “deltacron” é mais agressiva ou transmissível?
Não há dados o suficiente para afirmar isso, uma vez que pouquíssimos casos de deltacron foram documentados ao redor do mundo. A diretora técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, afirmou que não há qualquer evidência de que ela seja mais agressiva ou transmissível do que a Delta ou a Ômicron.
— Até agora, não tem nenhuma evidência de que a “deltacron” seja mais agressiva ou transmissível. Pelos casos registrados em humanos, não há nada de discrepante em relação à Delta e à Ômicron. Os dados até agora dizem apenas que é uma nova variante e que não tem nada de excepcional. É improvável que a “deltacron” seja responsável por nova onda porque não há dados indicando que ela fuja da imunidade provocada por vacinas. Resumindo: esta não é a variante de preocupação — sintetiza o virologista Paulo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP).
O virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que acompanha novas variantes no Brasil, destaca que um ensinamento da genética é que nem sempre uma recombinação (filho) soma todas as características dos pais.
— Há recombinantes com sucesso relativo, como a Epsilon, da Califórnia, mas outras são apenas temas de pesquisa, sem impacto prático. Não adianta combinar o campeão da Expointer com o campeão de outro lugar. Não necessariamente vai dar um campeão sempre — resume Spilki.
Preciso me preocupar?
Não. Primeiro porque variantes recombinadas são comuns, sobretudo em períodos nos quais uma cepa está tomando o lugar de outra – como em janeiro, quando a Ômicron tomava o lugar da Delta. Além disso, grande parte da população está com imunidade gerada por infecção pela Ômicron e pela Delta ou está vacinada.
— A “deltacron” é uma mistura da parte externa da Ômicron, responsável por se ligar às nossas células, com núcleo da Delta. Não temos que esperar nada de diferente no cenário. A maior parte das nossas defesas são desencadeadas pela proteína S, que na “deltacron” é muito semelhante à da Ômicron. As defesas já estimuladas pela terceira dose da vacina ou pela infecção por quem teve Ômicron farão com que a infecção pela “deltacron” seja branda — diz Eduardo Sprinz.
Outra razão para se acalmar é que a combinação de variantes surgiu em janeiro e gerou pouquíssimos casos nos país onde foi identificada – ao passo que a Ômicron gerou tsunami de novas infecções menos de um mês após aparecer em diferentes nações. Se fosse gerar nova onda, a “deltacron” já o teria feito.
Até o momento, a “deltacron” não é sequer uma variante de interesse, estágio antes de se transformar em variante de preocupação (como são Alfa, Beta, Gama, Delta e Ômicron), segundo classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na prática, isso significa que é mais uma cepa que circula, sem potencial de alterar o cenário pandêmico.
Autoridades do Reino Unido já afirmaram que o aumento de casos e internações hospitalares no país não decorre da “deltacron” – e sim das flexibilizações, como suspensão de máscaras em ambientes internos.
A cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, afirmou pelas redes sociais que a recombinação de vírus é conhecida e pode ocorrer, tanto em humanos quanto em animais. “Precisamos esperar pelos experimentos para determinar as propriedades desse vírus. Importância do sequenciamento, análise e compartilhamento rápido de dados ao lidarmos com essa pandemia”, escreveu.
— Não é motivo de alerta para mudar fluxo de políticas. Temos que focar esforços em manter nossa situação, independentemente da variante — afirmou a cientista da OMS.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/
Comments Closed