Depois de três anos de estiagem, em que a escassez hídrica quebrou ferozmente as safras de verão dos ciclos 2021/2022 e 2022/2023, os agricultores gaúchos iniciam a semeadura das lavouras de grãos de 2024 com problemas decorrentes do excesso de chuva. E, se nos anos anteriores, foi necessário abrir ainda mais os olhos para a pesquisa e a tecnologia, neste ano, o produtor está sendo desafiado a correr contra o tempo para implantar as lavouras em terras completamente encharcadas.
O tempo no céu e o tempo do calendário parecem não convergir. Segundo preveem os especialistas, a intensidade do fenômeno El Niño ainda não atingiu o ápice. O Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul (Copaaergs) projeta que a fúria climática decorrente do aquecimento do Oceano Pacífico atinja a categoria “muito forte” ao final de novembro e no decorrer de dezembro. Tanto um mês quanto o outro fazem parte das janelas de plantio estabelecidas pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), do governo federal, para as culturas de verão do Rio Grande do Sul, especialmente para a soja e para o arroz.
Mais de 40% da produção gaúcha de soja é colhida nas regiões Norte, Nordeste e Central do Estado. A área seguirá recebendo chuva acima da média nesta primavera, mas em menor volume e intensidade que a Metade Sul, que responde por praticamente 100% da safra gaúcha de arroz. Apesar de o cultivo do cereal ser irrigado e de as barragens terem recuperado níveis anteriores aos das estiagens, os orizicultores terão de alterar as estratégias de plantio e de manejo da safra 2023/2024. As mudanças têm como ponto de partida o escalonamento do plantio de acordo com os, até então, raros períodos secos. “Certamente, o produtor vai ter de se preparar e plantar em 24 horas”, afirma o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho.
As precipitações de setembro já foram suficientes para atrasar a semeadura de arroz na Fronteira-Oeste. A região é responsável por quase 30% da área orizícola gaúcha, com 251 mil hectares dos 839,97 mil hectares cultivados com o grão no ciclo passado. Destacam-se os municípios de Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Itaqui, Alegrete, São Borja, Dom Pedrito, Arroio Grande e São Gabriel. Juntos, produzem 46% da safra gaúcha, de acordo com o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, publicado pela Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado. O mesmo deve ocorrer nas outras cinco regiões produtoras do grão: Campanha (122,5 mil hectares), Sul (137,58 mil hectares), Planície Costeira Interna (122,78 mil hectares), Central (112,05 mil hectares) e Planície Costeira Externa (93,9 mil hectares), conforme índices de 2022/23.
O agricultor Gustavo Flores da Cunha Thompson Flores é um dos que esperam realizar a semeadura em outubro devido à chuva de setembro. Com 200 hectares dedicados ao cultivo de arroz em Quaraí, prepara-se para plantar as cultivares Irga 431 CL e Guri Inta CL de maneira rápida e eficaz. “Hoje, a gente precisa de dez dias de tempo bom para poder secar as terras, mas não tem previsão de isso acontecer nos próximos dias. Vamos ter que ir plantando como dá, conforme for abrindo o tempo”, comenta. As sementes provavelmente serão semeadas em diferentes períodos, mas a situação não o preocupa. O que pode tirar seu sono, admite, é não completar o plantio em 100% da área até o início de novembro. “O ideal é semear a lavoura entre 15 de setembro e 30 de outubro. Daí em diante, há risco para a produtividade”, justifica.
A expectativa de Thompson, que é presidente da Associação dos Arrozeiros de Alegrete, é colher 10 mil quilos por hectare. Porém, o rendimento dependerá do calor e da insolação, condições que precisam ocorrer entre 50 e 60 dias antes da colheita. “Se isso acontecer quando o arroz estiver largando o cacho, a safra será normal”, diz. O proprietário da Fazenda Arara também planta soja, milho e cria gado em mais de mil hectares em Alegrete e não cogita a hipótese de reduzir a área dedicada à oleaginosa ou ao milho devido à chuva.
Já os orizicultores localizados em Terras Baixas podem optar por não seguir a tendência de ampliar o cultivo de soja em áreas de arroz. Prática crescente nos últimos anos, a diversificação com a oleaginosa, segundo a Federarroz, vinha aumentando à média de 20% ao ano. “Já podemos falar em uma redução dessa velocidade devido ao clima e em manter uma estabilidade em relação ao ano passado”, admite Velho. Na safra 2022/23, a soja ocupou cerca de 500 mil hectares em áreas de arroz.
O cenário está no radar da Basf, multinacional detentora e desenvolvedora dos sistemas de produção Clearfield, que está presente em 85% das plantações de arroz no Estado, e, desde o ano passado, do Provisia, ambos sob a marca de sementes de arroz híbrido Lidero. Segundo o gerente de Sementes de Arroz e Trigo da Basf, José Mauro Guma, algumas áreas que estavam reservadas à soja, devido ao grande volume de chuva, devem ser novamente destinadas ao arroz. Além da questão técnica limitadora das Terras Baixas, o executivo ressalta que a favor da decisão o produtor tem um preço que proporciona melhor relação de troca do que na soja e um mercado exportador em expansão.
Por enquanto, os produtores gaúchos mantêm a previsão de aumentar em 7% a área plantada com o grão em relação à safra 2022/2023 no Estado, o que deve resultar em 900 mil hectares cultivados. O Rio Grande do Sul reponde por 70% da produção nacional de arroz e, no ciclo anterior, colheu 7,2 milhões de toneladas, com produtividade média de 8,79 toneladas por hectare.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/
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