Da irrigação ao saneamento, garantia de acesso à água é desafio no RS

Foto: Mauro Schaefer

“Um olho no céu e outro na terra”, é assim que o produtor rural de milho, Amilton Lopes, do bairro Lami, no extremo Sul de Porto Alegre, define a vida de quem vive da agricultura. O motivo: a chuva. Ou a falta dela. Com o impacto das mudanças climáticas e o mau uso frequente dos recursos naturais apontado por órgãos como a Organiação das Nações Unidas, o 22 de março, Dia Mundial da Água é cada vez mais um momento de reflexão e busca de soluções. A água, além de essencial para o corpo humano é também responsável pelo desenvolvimento das plantações, garantindo alimentos de qualidade na mesa da população, além da sobrevivência de famílias como a de Amilton. Porém, a falta de irrigação natural castiga o Rio Grande do Sul.

Nos últimos 100 dias, mais de 370 municípios decretaram situação de emergência devido à estiagem no Estado e, mesmo com as chuvas esparsas que vem caindo em algumas regiões, muitos estragos já não podem ser recuperados. Dados da Defesa Civil gaúcha apontam que os prejuízos deste ano, são, até o momento, de R$ 15,5 bilhões na agricultura, R$ 3,7 bilhões na pecuária e R$ 35,6 milhões em água potável. Os açudes da propriedade de Amilton começaram a enxer, mas já passou o período em que o milho precisava de maior irrigação, segundo ele. O produtor chegou a contar 93 dias sem chuvas e estima que a perda seja de 30% a 40% por cento, em relação à colheita do ano passado. 

Produtores, especialistas e autoridades buscam soluções para a estiagem. Na propriedade de Amilton, a alternativa encontrada para mitigar os danos da falta de chuva foi a irrigação artificial. Porém, ele reconhece que foi um investimento alto, que nem todo produtor consegue despender, chegando a comprometer pelo menos 20% do custo total com a plantação. De acordo com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do RS, o governo está atuando a curto, médio e longo prazo contra a seca. Dentre as iniciativas apontadas estão construção de microaçudes, instalação de cisternas, perfuração de poços e oferta de subsídio para linha de crédito de irrigação, no programa Supera Estiagem, a anistia das dívidas do programa Troca-Troca de Sementes e o edital-extra do Programa Sementes Forrageiras.

A prefeitura de Porto Alegre divulgou, na última semana, que também começou auxiliar produtores inscritos na Secretaria de Governança Local e Coordenação Política, disponibilizando máquinas para limpezas de açudes e abertura de tanques novos para reserva de água. No entanto, o setor clama por ações executadas antes da chegada das consequências. “Tudo isso (ações do poder público) tem que ser feito preventivamente, porque depois não adianta mais, a safra está perdida, não tem o que fazer”, avalia Amilton.

O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, publicado pela Unesco no ano passado aponta as águas subterrâneas, como uma das formas de lidar com a crise hídrica, que afeta não só o Rio Grande do Sul, mas o mundo inteiro. O documento pede que os gestores se comprometam a desenvolver políticas adequadas para gerir esse recurso. Ainda conforme a ONU, o uso da água deve aumentar cerca de 1% ao ano nos próximos 30 anos, no mundo. Por isso, os especialistas da Unesco esperam que se reduza a dependência de água superficial, pois o acesso deve ficar mais limitado, conforme as mudanças climáticas.

No Estado, Amilton acredita que questões técnicas e burocráticas afastam a possibilidade de ápostar nas águas subterrâneas como solução para mitigar os impactos da estiagem. “A gente não está preparado para isso”, acredita o produtor rural. A visão de quem atua diretamente no campo é semelhante à de quem faz a gestão das políticas públicas. Conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, a utilização deste recurso é complexa no RS. A pasta aponta que em partes do solo gaúcho a água subterrânea tem altos teores de sais, tornando inviável o uso em diversas finalidades. Apesar disso, a Sema garante que o programa Poço Legal, desenvolvido no RS, regulariza poços que servem para o consumo humano que, atualmente, na fase inicial, contempla 651 poços.

Água de beber

Enquanto Amilton olha pro alto, em busca de chuva, a aposentada Terezinha Peres de Souza faz um movimento semelhante. Mas seus olhos fitam a caixa d’água que fica em um suporte poucos metros acima de sua casa. O recipiente é a única fonte de água potável da família e dos demais moradores da Vila Laranjeiras, na zona leste de Porto Alegre. A localidade, situada a menos de 30 minutos de carro do Centro da Capital, não é contemplada pelo sistema de abastecimento por encanamento do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).

São 3 reservatórios que atendem a população. Para não ter que carregar a água em baldes, da caixa até suas residências, várias vezes ao dia, moradores improvisaram um sistema com mangueira ligando os recipientes às casas. Porém, sem uma estrutura adequada furos nas mangueiras colocam a água em contato com sujeira, esgoto e animais de rua que circulam pelo local, arriscando a saúde dos consumidores.

Outra preocupação da comunidade é com a qualidade da água antes mesmo de sair das caixas. É que, segundo os moradores, a última limpeza dos recipientes foi realizada no ano passado e, por vezes, é preciso recorrer a filtros para o consumo. “De vez em quando vem uma água meio barrenta, meio escura”, relata Terezinha. A líder comunitária do projeto Mães da Periferia, Letícia Nascimento, afirma que um levantamento da saúde ambiental do Morro Santana, feito em parceria com a Ufrgs identificou uma situação precária no local, inclusive com focos de flebotomíneos, insetos que transmitem doenças como a leishmaniose, e do Aedes Aegypti, transmissor da dengue. João Luiz Nascimento foi um dos moradores que chegou a passar mal ao consumir a água e parou de utilizar para consumo. “Eu busco água de uma bica na vila Santa Isabel para nós cozinharmos e para tomar. A da caixa a gente não toma”, afirma Nascimento.

De acordo com o Dmae, são realizadas quase 3 mil análises diárias para certificar de que a água entregue aos cidadãos é segura e atende aos padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde e o custo total da operação, para a produção de água tratada é estimado em R$ 3,37 por metro cúbico.

O órgão afirma que, devido à Vila das Laranjeiras ser área considerada irregular, não é abastecida pelo sistema São João, como outros pontos do Morro Santana. Sobre o estado das caixas d’água, o Dmae informou que o processo anual de desinfecção no local foi feito em 30 de novembro do ano passado e que será agendada outra limpeza, além de análise da água, previstas para esta semana.

Fonte: correiodopovo.com.br