Com transferência de presos para fora do RS, cúpula da segurança espera redução de homicídios

Operação enviou 13 criminosos para unidades de segurança máxima em outros Estados nesta quinta-feira (15)

Jato da Polícia Federal no aeroporto Salgado Filho
Rodrigo Ziebell / Palácio Piratini / Divulgação

Mais uma vez, o Rio Grande do Sul aposta na transferência de lideranças como forma de tentar conter a criminalidade, num cenário de acirramento da violência, especialmente na Grande Porto Alegre. Estão sendo enviados para penitenciárias federais fora do Estado criminosos que, embora já estivessem encarcerados, seguiriam envolvidos no comando de delitos cometidos pelas facções. Às 14h32min, os 13 apenados decolaram da Capital, num avião da Polícia Federal.  

Esses 13 presos estão vinculados a quatro facções, três delas envolvidas nos últimos conflitos em Porto Alegre e na Região Metropolitana. Ao longo do mês de agosto, a Capital enfrentou salto nos homicídios, com o dobro de casos no comparativo com o mesmo período do ano passado. Foram 26 assassinatos em agosto, sendo a maioria vinculada ao tráfico de drogas. Sabe-se que boa parte das ordens para essas execuções ainda parte de dentro das cadeias.  

 — Tivemos uma onda muito ruim no mês de agosto, especialmente na Capital, numa disputa sangrenta entre organizações criminosas. Nós não admitimos isso e não vamos admitir de maneira nenhuma. Vamos reconduzir essas lideranças para o sistema penitenciário federal, onde ficarão totalmente isoladas. Com essa ação, junto com outras, nós teremos sim, novamente, a redução desses indicadores, voltando à normalidade, especialmente os homicídios que têm na sua origem as disputas entre essas organizações criminosas  — afirmou o governador Ranolfo Vieira Júnior.  

Para além da remoção dos 14 presos  — 13 nesta quinta-feira e um na semana passada —, mais 10 devem ser movimentados dentro do sistema penitenciário gaúcho, com o mesmo objetivo. O intuito é fazer com que lideranças que ainda permaneçam no Estado não tenham condições de seguirem comandando crimes de trás das grades.  

— Os fatos recentes trouxeram e trazem preocupação às comunidades e também às instituições, que prontamente devem adotar medidas, ações, como essa de hoje, para coibir o recrudescimento dessa criminalidade  — afirmou o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público, Júlio César de Melo.

Além da transferência dos presos, o secretário de Segurança do Estado, Vanius César Santarosa, citou outras medidas colocadas em prática em Porto Alegre, como o maior número de policiais militares em pontos estratégicos e nas áreas que vêm sendo palco dos conflitos entre os três grupos criminosos. Já a Polícia Civil apontou que as investigações estão identificando de forma mais ágil quem está por trás das execuções. Lembrou o ataque a um bar no bairro Campo Novo, que causou a morte de três pessoas e deixou 25 feridos.  

—  Todos envolvidos naquele ataque foram identificados, e está em fase de medidas cautelares para que possamos fazer as prisões dos mesmos. Essa operação de hoje também compõe esse conjunto de ações para conter esse aumento de homicídios envolvendo disputas de grupos criminais. Esses 14 nomes que estão sendo movimentados para o sistema federal possuem envolvimento direto com a emissão de ordens para integrantes desses grupos nas ruas cometerem esses crimes. Essa é uma importante ação que isola esses presos no regime federal  — afirmou Santarosa. 

A transferência  

A operação teve início às 3h13min, quando começaram a ser extraídos 12 presos da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e um da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas (Pmec) para que fossem deslocados até a realização dos exames de covid-19. Logo depois, o comboio partiu em direção ao Batalhão de Aviação da Brigada Militar, junto ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Os presos, que foram divididos em quatro viaturas celas, em razão das diferentes facções, chegaram ao aeroporto às 6h40min.

No início da tarde, todos passaram por última revista por parte de agentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e foram conduzidos de ônibus até as proximidades do avião da Polícia Federal. A aeronave decolou, com destino a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde deverão ser mantidos 11 dos presos transferidos _ outros dois serão levados para Porto Velho, em Rondônia, e Mossoró, no Rio Grande do Norte.  

Por que isolar os presos?

Rodrigo Ziebell / Palácio Piratini
A remoção dos presos iniciou durante a madrugadaRodrigo Ziebell / Palácio Piratini

Esse tipo de medida não é novidade no Estado, que teve sua primeira transferência de presos em massa para unidades federais em 2017. Durante a Operação Pulso Firme, foram transferidos 27 condenados gaúchos. Em março de 2020, foi realizada nova ação, que recebeu o nome de Império da Lei, com 18 presos isolados. Nesta quinta-feira (15), o RS colocou em prática a quarta fase dessa ofensiva, com as 13 transferências.  

A opção por enviar os presos para fora é a forma que o Estado vem encontrando de tentar contornar as deficiências do sistema carcerário. Nas prisões federais, os presos não têm acesso a celulares, são mantidos em celas isoladas, sem acesso a televisão, rádio ou qualquer meio de comunicação, usam uniformes e precisam se submeter a diversas medidas de segurança. Durante o banho de sol, por exemplo, só é permitida a conversa de no máximo três presos por vez.  

Ao enviá-los para longe de seu território de origem, a segurança do RS também aposta que eles devem ter seus laços enfraquecidos no mundo do crime. Por outro lado, sabe-se que, dentro das unidades federais, mesmo com a segurança reforçada, os presos acabam mantendo contato com outros encarcerados. E isso permite, inclusive, que criem relações com outras organizações criminosas.

É por isso que há anos estão em debate no Estado tanto estratégias para dificultar a comunicação por parte dos presos, como alternativa para fazer o isolamento dentro do RS. Até 30 de novembro, o governo espera concluir a instalação de bloqueadores de celulares em 15 unidades prisionais. Dessas, a primeira a receber o sistema foi a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde os bloqueadores já foram instalados, mas ainda estão em fase de teste.  

RDD dentro da Pasc

Um dos anúncios realizados na coletiva desta quinta-feira foi a confirmação de que deverá sair do papel o projeto que pretende instalar dentro da Pasc uma nova unidade, onde será possível, caso haja autorização do Judiciário, implantar um regime disciplinar diferenciado. Segundo o secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild, o projeto foi elaborado ao longo dos últimos quatro meses, e deverá ser encaminhado para análise da Procuradoria-Geral do Estado. Depois disso, deve ser feita a contratação da empresa responsável pela obra.  

Durante a coletiva, o governador Ranolfo Vieira Júnior afirmou que está autorizada a obra, e reconheceu que o sistema penitenciário necessita de avanços afim de conter as ações dos grupos criminosos.  

—  Vamos aos poucos avançando nessa questão. Não tem como mudar a realidade (do sistema prisional) de um dia para o outro  — afirmou o governador.

A obra, que ocupará o local onde hoje há um campo de futebol dentro do complexo da Pasc, deve ter duração de cerca de quatro meses. Com isso, a expectativa é de que no início do próximo ano a construção já possa estar em fase de finalização. A prisão deverá contar com 76 vagas e um dos diferenciais será o isolamento do preso, já que cada cela individual contará com pátio para banho de sol, impedindo que os apenados tenham contato entre si.  

 — Eles ficarão efetivamente isolados e incomunicáveis — disse Hauschild.

O interesse de criar um RDD no Rio Grande do Sul já tinha sido levantado entre março e abril deste ano, em outro momento de confronto entre facções criminosas. Agora o projeto está mais próximo de ser concretizado. Com isso, o governo espera conseguir dar, inclusive, mais celeridade aos casos em que entender que há necessidade de isolamento de algum preso, já que todo o procedimento seria realizado dentro do Estado.  

Nesta operação, por exemplo, havia intenção de transferir pelo menos mais dois presos, no entanto houve conflito de decisões que impediu que isso se concretizasse. A Justiça gaúcha encaminhou o pedido de transferência, mas em Campo Grande a Justiça Federal teve entendimento de que não havia necessidade de encaminhar o preso para o sistema federal. Em razão disso, foi suscitado conflito de competência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deverá decidir sobre o caso. Uma das possibilidades é de que eles sejam transferidos posteriormente. 

Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br