Lista divulgada pelo IBGE destaca três municípios do Rio Grande do Sul, Dom Pedrito, Santa Vitória do Palmar e Vacaria, entre os 100 brasileiros com maior valor de produção em 70 cultivos de lavouras permanentes e temporárias
Plantação de soja | Foto: Fabiano do Amaral
Apesar da posição de destaque do Rio Grande do Sul no agronegócio brasileiro, apenas três municípios gaúchos figuram entre os 100 com maior valor de produção agrícola no país. O melhor colocado, Dom Pedrito, na Campanha, aparece em 78º lugar, seguido de Santa Vitória do Palmar, 86º, e Vacaria, 100º. A relação é liderada por Sorriso (MT), São Desidério (BA) e Sapezal (MT), em uma lista com presença predominante do Centro-Oeste, região com 62 cidades incluídas. O mapeamento foi produzido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a partir de dados da Produção Agrícola Municipal de 2023, estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A vantagem das unidades federativas do Centro-Oeste e Nordeste, principalmente, reside na área disponível para lavouras nas localidades.
“Se fôssemos escolher uma variável para explicar essa posição (o 78º lugar no ranking nacional), eu diria que é a extensão territorial do município”, afirma o economista, pesquisador e diretor adjunto do Departamento de Economia e Estatística (DEE), da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, Rodrigo Feix.
O economista salienta que os municípios gaúchos têm “uma heterogeneidade bastante grande” em relação à área, além de uma “estrutura fundiária diferenciada” em cada um deles. “Municípios da Região Sul são mais concentrados em termos de área, com estabelecimentos agropecuários com uma área média maior. Isso favorece a escala e a incorporação dos cultivos agrícolas”, descreve Feix. De qualquer maneira, são territórios bem menores do aqueles encontrados no Centro-Oeste, Nordeste e no Matopiba (acrônimo que designa região que se estende pelos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Sorriso, por exemplo, tem 9.293 quilômetros quadrados. São Desidério, 15.157 quilômetros quadrados. Sapezal, 13.597 quilômetros quadrados. Dom Pedrito, por sua vez, tem 5.194 quilômetros quadrados, o equivalente a 55,8% da área de Sorriso. Santa Vitória do Palmar, 5.206 quilômetros quadrados, e Vacaria, apenas 2.124 quilômetros quadrados.
O estudo do IBGE abrange 70 produtos das lavouras temporárias e permanentes dos 5.563 municípios brasileiros. Em 2023, o valor da produção agrícola brasileira atingiu R$ 814,5 bilhões, com os 100 municípios com maior destaque representando 31,9% deste total (R$ 260 bilhões). No país, a área colhida total foi de 95,8 milhões de hectares, com a lista dos 100 respondendo por 34,5% (33,1 milhões de hectares). Dos 70 produtos, a soja (R$ 348,6 bilhões), a cana-de-açúcar (R$ 101,9 bilhões) e o milho (R$ 101,8 bilhões) foram as culturas que movimentaram o maior volume de recursos.
O arroz, que ao lado da soja garantiu as três colocações do Rio Grande do Sul, ficou em oitava posição entre as culturas com maior valor obtido no país. Dos R$ 17,7 bilhões acumulados pelo Brasil com a orizicultura, R$ 12 bilhões são oriundos da produção de 177 cidades gaúchas. Sempre levando em conta o valor resultante da lavoura, Santa Vitória do Palmar, o município segundo colocado no ranking nacional, foi, em 2023, o maior produtor do grão no país, com R$ 997,9 milhões, seguido de Uruguaiana (R$ 944,1 milhões) e Alegrete (R$ 754,6 milhões).
Distribuição | Foto:
Ranking reflete mudança no uso do solo
Migração da pecuária de corte, ou mesmo de outras culturas agrícolas, para a lavoura de soja foi determinante para o crescimento do valor da produção nos municípios melhor colocados no levantamento do IBGE
Além da extensão territorial, o desempenho dos municípios gaúchos, entre aqueles com maior valor de produção agrícola no país, está relacionado ao uso da terra. A mudança no perfil da atividade agropecuária, a partir de meados dos anos 2000, se reflete também nos resultados de outros estados e regiões. A transição foi impulsionada pelo crescimento das exportações de grãos, decorrente da implantação de processos de aproveitamento de proteína vegetal em detrimento de proteína animal. “Isso explica essa mudança do aproveitamento do solo no RS, também observada na Região Centro-Oeste e em estados vizinhos aqui do sul”, diz Rodrigo Feix, economista, pesquisador e diretor adjunto do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão.
A alteração no aproveitamento da terra provocou, principalmente, a migração da pecuária bovina para a agricultura, mas, em muitos casos, até mesmo de culturas como o arroz para a soja. O fenômeno ocorreu, por exemplo, em Dom Pedrito, a cidade gaúcha melhor colocada na lista dos 100 municípios de maior valor na produção agrícola, elaborada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Em 78º lugar, a localidade da Região da Campanha, colheu 160 mil hectares de soja em 2023, contra 34 mil hectares de arroz. Incluído no levantamento em 86º posição, Santa Vitória do Palmar, maior produtor de arroz do país, colheu 63 mil hectares do cereal, mas a cultura agrícola mais antiga na região tem apenas sete mil hectares a mais do que foi destinado à oleaginosa.
“Faz uns oito ou dez anos que a soja começou mesmo. Ela vem aumentando ano a ano”, diz o secretário de Agricultura de Santa Vitória do Palmar, Vilson Corrêa, que salienta, porém, o investimento nas lavouras de arroz. “O arroz é muito privilegiado aqui. Em primeiro lugar, porque hoje a tecnologia está muito avançada”, diz. Depois, claro, tem a extensão disponível e bem adequada à cultura. “Nosso município é uma planície, 95% da terra de Santa Vitória do Palmar é produtiva de arroz. E ainda somos privilegiados com duas lagoas de água doce (a Mangueira e a Mirim), uma ao lado da outra. O arroz precisa de água no pé, sol na cabeça e vai embora”, afirma o secretário.
Em Vacaria, o município gaúcho que encerra a relação dos 100 mais na agricultura, a soja está disparada à frente das demais seis principais lavouras. Foram 65 mil hectares colhidos com o grão em 2023, contra 12 mil hectares para o milho, a segunda plantação mais abundante. “Nos Campos de Cima da Serra, também houve muita conversão de área de pastagem para soja. Em municípios da Região Nordeste do Estado, quando observamos o valor bruto adicionado da agropecuária, os que mais cresceram nos últimos dez ou 15 anos são pequenos municípios que eram focados na bovinocultura de corte e que passaram a incorporar a soja. Muitos Capões é um exemplo bem determinante”, comenta Feix.
No RS, entre os dez municípios melhor colocados em valor de produção agrícola, a soja figura sempre em primeiro ou segundo lugar como cultura mais relevante. Feix acrescenta ainda o fator preço dos produtos da agricultura como influência para o crescimento do valor da produção.
Feix faz uma ressalva em relação à lista dos 100 municípios. “Estamos tratando do valor da produção agrícola. Não estamos tratando como uma medida de produto ou de renda. Dependendo do uso do solo, da produtividade, as atividades agropecuárias têm diferentes margens de rentabilidade. Estamos tratando basicamente de faturamento. Municípios com maior faturamento na agricultura”, ressalta. “Se fizéssemos um ranking por valor adicionado, que é uma medida mais adequada para renda, talvez alguns desses municípios sofressem uma mudança de posição no ranking”, acrescenta.
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