Duas empresas de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, tornam-se pioneiras no país na adoção de rótulos registrados em plataforma blockchain, permitindo ao consumidor o rastreio de dados sobre produção e legitimidade das bebidas
Vinho tokenizado | Foto: Vinícola Dom Candido/Divulgação/Cp
Rótulos das vinícolas Dom Cândido e Pizzato, de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, passam a exibir uma iniciativa pioneira no país, com a adoção da tecnologia token para comprovar a Denominação de Origem do Vale dos Vinhedos em alguns de seus vinhos. Registrados em uma plataforma blockchain, esses rótulos oferecem ao consumidor a possibilidade de rastrear dados de produção das bebidas, com maior confiança na aquisição de um produto legítimo.
A novidade foi apresentada durante a 33ª Mercopar, feira de inovação da América Latina, ocorrida em Caxias do Sul, também na Serra Gaúcha, entre os dias 15 e 18 de outubro.
Na oportunidade, termos como blockchain, NFT e token tiveram de ser explicados para tornar compreensível a ação desenvolvida em parceria entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul (Sebrae RS), a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) e as duas vinícolas.
O projeto incluiu ainda o iCoLab, instituto colaborativo para atividades com a plataforma blockchain, e a Interchains, consultoria especializada nos processos iniciais de adoção da plataforma. É a segunda vez que o Sebrae RS e a Aprovale se juntam para conquistar a vanguarda no Brasil. A primeira ocorreu em 2002, quando os vinhos do Vale dos Vinhedos foram os primeiros produtos agropecuários brasileiros a obter o reconhecimento de indicação geográfica. Naquele ano, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu à região o registro de Indicação de Procedência (IP) e, em 2012, o de Denominação de Origem (DO), o primeiro do gênero para vinhos no Brasil.
De acordo com André Bordignon, coordenador de projetos de Agronegócio do Sebrae RS, há cerca de três anos a instituição “começou a entender a real possibilidade” de utilização da tecnologia blockchain. Conhecido por seu uso em criptomoedas, a blockchain aniquila a chance de pirateamento e amplia a transparência com o consumidor.
O objetivo inicial da plataforma, batizada de Origem RS, era oferecer uma ferramenta que fizesse sentido para o agronegócio. “Concluímos que o vinho tinha uma maturidade maior para iniciarmos o projeto-piloto”, diz Bordignon. A “maturidade”, no caso, se traduzia pela existência “de dados, além de uma demanda de indicação geográfica, que é uma proteção do território”, explica o coordenador. “Neste projeto específico, com a Aprovale, pode-se dizer que estamos há um ano nele”, acrescenta.
“A Dom Cândido é, desde sua origem, uma vinícola revolucionária, pioneira, e ajudamos a performar esse projeto pensando em inovação, transparência e confiabilidade”, diz Vicenzo Goelzer, representante da Dom Cândido.
Em seu site, a vinícola apresenta-se como a primeira do mundo a utilizar a tecnologia token para garantir a rastreabilidade do produto.
Com a plataforma blockchain, foi estabelecido o registro detalhado de todo o ciclo produtivo do vinho. Esse processo é chamado de tokenização. Inicialmente, foram usados dados da safra de 2022, validados pela Aprovale, para abastecer a ferramenta. A inclusão dos dados na blockchain deu origem a um NFT, que é a sigla, em inglês, para “token não fungível”, um certificado digital de propriedade inviolável.
Depois dessa etapa, foram impressos rótulos dos vinhos “tokenizados” com um QR Code. Ao escaneá-lo, o consumidor pode acessar os detalhes sobre cada produto, desde a documentação completa da vinícola e o registro da área produtiva, até as especificações da uva e as características do vinho, incluindo o histórico de produção, contemplando até mesmo informações sobre o fornecimento da uva.
A expansão do projeto deverá contemplar, num primeiro momento, outras vinícolas vinculadas à Aprovale. “A seguir, o plano de expansão deverá incluir Pinto Bandeira, onde há denominação de origem para o espumante. Essa denominação é muito relevante para o setor do vinho. É a primeira do hemisfério sul e a primeira do vinho no Novo Mundo. Tem algumas na Europa. A mais conhecida é a de Champagne”, afirma Bordignon.
Tokenização abre novas possibilidades para comércio
Avanço tecnológico facilitaria estabelecimento de um mercado de compra e venda futura, que incluiria até mesmo o consumidor final
Desenvolvido para proporcionar ao consumidor maior confiança em relação à certificação de origem, o projeto de tokenização de vinhos gaúchos encerra possibilidades promissoras e, ao mesmo tempo, inquietantes para os envolvidos na iniciativa.
“Por enquanto, o interesse maior é dar transparência ao processo produtivo e dar confiança em relação à denominação de origem. É a garantia de que o produto tem a certificação”, diz o coordenador de projetos de Agronegócio do Sebrae RS, André Bordignon, que admite que a iniciativa poderá resultar em avanços na área comercial.
Um caminho, por exemplo, seria a criação de um mercado de compra e venda futura, envolvendo produtores rurais, vinícolas e consumidor final.
“Já existe esse modelo da compra e venda futura. A cultura da soja, principalmente, tem a expertise”, salienta Bordignon.
Com a plataforma blockchain e tokens do tipo NFT, no entanto, o sistema se torna mais prático e de acesso mais amplo. “O consumidor pode adquirir os tokens para garantir o produto e pode passar adiante esse NFT. É uma ação ainda desconhecida para nós. Precisamos entender quais as reais possibilidades que se tem. O start foi dado”, avalia o coordenador.
Na prática, isso significa que a vinícola poderá vender garrafas virtuais, com o comprador tendo a possibilidade de fazer o mesmo, seja ele um varejista, atacadista ou até o consumidor final.
Na relação entre produtores rurais e vinícolas também poderá se estabelecer a compra e venda futura, com o viticultor garantindo a colocação e o fornecimento da safra certificada à empresa produtora da bebida. “Isso também pode criar linhas de crédito. Como as instituições financeiras vão lidar com este processo?”, questiona Bordignon.
Um dos desafios é o estabelecimento de garantias para o fornecimento futuro dos ativos e de compensações diante de eventuais empecilhos à entrega física dos produtos, como uma quebra de safra decorrente de fenômenos climáticos ou a impossibilidade de engarrafar um vinho que atenda às exigências de certificação. “Por enquanto, não tivemos uma dedicação à comercialização. É uma evolução do projeto. Vamos ter de nos debruçar sobre essas questões para verificar as possibilidades criadas”, conclui Bordignon.
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