Modernização da legislação ambiental abre caminho para implantar sistemas de irrigação e evitar solavancos na produção rural e impactos diretos nas finanças do Rio Grande do Sul, que sofre junto com as perdas do campo
Iniciativa impõe regras para a construção de estruturas para irrigação | Foto: Alina Souza / CP Memória
Nos últimos 20 anos, o Rio Grande do Sul viveu repetidos episódios de safras arrasadas por estiagens, com impactos diretos nos cofres e no desenvolvimento do Estado. Durante esse período, discussões político-ideológicas contrapuseram a coexistência pacífica entre ambiente e produção agropecuária. Foi pelo diálogo e construção baseada na ciência que esse antagonismo foi sendo desmanchado, levando a um novo nível de entendimento, explicitado pela recente modernização de legislações que trancaram a implantação de sistemas de irrigação, hoje limitados a 307 mil hectares de soja, milho, feijão e fumo (4% da área de plantio). A negação de uma alternativa de estabilidade produtiva em anos de secas conduziu milhares de produtores para o endividamento.
Os dados comparados de safra e performance do PIB traduzem a realidade. Nas últimas duas décadas, o PIB do Estado desabou na proporção das perdas nas lavouras. Por essa razão, principalmente, o presidente da Federação da Agricultura do RS (Farsul), Gedeão Pereira, celebrou que a atualização da Resolução 512/2024 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) foi o fato mais importante da Expointer deste ano. As alterações legais vieram pela construção de consensos entre setor produtivo, Ministério Público e Estado, atualizando os procedimentos de licenciamento ambiental para empreendimentos de irrigação, buscando segurança jurídica e menos burocracia para projetos de reservação e uso da água, vitais em um contexto de mudanças climáticas.
O regramento ambiental era considerado o grande gargalo para levar água a 7,5 milhões de hectares de lavouras. “O maior seguro para o produtor é quando ele tem a condição de irrigar uma lavoura”, resume o diretor vice-presidente e coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Farsul, Domingos Velho Lopes. “O acontecimento de Esteio é mais um passo dentro do arcabouço criado na Sema (Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura) para uma nova visão do desenvolvimento do Estado”, afirma.
A modernização da estrutura legal ambiental teve mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente, criação de súmula de entendimento com o Ministério Público para intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APPs) por interesse social, revisão do Mapa Hídrico do Estado e a recente resolução do Consema. O foco foram sempre as áreas antropizadas. “O mérito todo é de adequar a legislação ambiental ao setor produtivo, uma nova filosofia que demonstra maturidade. O meio ambiente precisa do desenvolvimento agrário, e a produção precisa dos recursos naturais”, reforça Lopes.
A Farsul está acompanhando a organização de produtores em diferentes regiões para montar sistemas de irrigação e deverá apresentar um levantamento sobre o andamento dos novos projetos em sua coletiva de imprensa de final de ano. A implantação desses sistemas depende de iniciativa e recursos do produtor, mas o Estado tem subsidiado sua adoção com até R$ 100 mil, limitado a 20% do valor do projeto, para qualquer sistema. O Programa de Irrigação teve uma primeira fase de experimentação. Durou pouco mais de dois meses e aprovou 264 projetos.
“Conforme está sendo feita a prestação de contas, estamos pagando, porque todos já estão empenhados”, diz o secretário da Agricultura, Pecuária, Irrigação e Produção Sustentável (Seapi), Clair Kuhn. Na segunda fase do programa, mais de 200 projetos já foram encaminhados, com mais da metade já aprovados. “O governador Eduardo Leite colocou R$ 213 milhões neste programa, que vai até 2027. Então, recursos não serão problema”, garante Kuhn.
Como em qualquer iniciativa governamental, a sociedade se pergunta se será somente mais um programa de governo ou terá compromissos de continuidade dos futuros governantes. Por ora, Kuhn acredita que a iniciativa vai encorpar. Ele entende que o tema da irrigação foi ofuscado pela urgência de outras pautas no dilúvio que encharcou o Estado em maio. “Falar em irrigação em tempos de enchente era muito complicado”, avalia.
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