Clientes são forçados a mudarem os hábitos de consumo devido ao preço de alguns cortes de carne praticamente dobrarem o valor

Marcel Hartmann / Agência RBS

Nos açougues, consumidores optaram por cortes de segunda, frango e porco

Em meio ao mercado globalizado, transações econômicas aparentemente longínquas estão afetando algo de sagrado para gaúchos: o churrasco. Após o aumento da exportação da carne brasileira para a China, o preço do produto está com forte aumento em nosso país – a tal ponto de gaúchos repensarem o preparo do tradicional prato gaudério. Na manhã deste domingo (1º), GaúchaZH percorreu açougues em quatro bairros de Porto Alegre e constatou que consumidores mudaram hábitos de consumo para não serem penalizados no bolso. 

Em comum, açougueiros e clientes relatam uma solução: a carne de primeira deixou de ser a primeira escolha. No lugar, aumentou a compra de frango, porco e cortes de segunda. A tradicional movimentação de domingo de manhã, pré-churrasco, também reduziu. 

O motivo da mudança no preço da carne é a maior demanda de importações por parte da China.  Sofrendo com o avanço da peste suína africana, o tigre asiático precisou importar carne (não só a suína) de outros mercados, incluindo o Brasil. Apesar de não sermos um grande fornecedor de carne de porco, temos bom potencial na exportação de carnes bovina e de frango, que estão substituindo a suína. Com o aumento da procura por parte do imenso mercado chinês, o preço da carne no mercado brasileiro subiu. 

A pressão nos preços, já sentida nos últimos meses deste ano, deve continuar. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas (Fipe) mostram que os preços médios da carne bovina subiram 17% na terceira semana de novembro, em relação aos de igual período de outubro. 

Nos cortes de carne bovina pesquisados pela Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), entre a primeira semana de outubro e igual período de novembro, a maior alta no preço foi a do coxão de dentro. O valor médio por quilo avançou 5,8%, para R$ 28,04.  Há cortes, como o dianteiro, que subiram de R$ 8,20 para mais de R$ 10 para venda às lojas, como informou a colunista Giane Guerra

O efeito chinês é sentido localmente. Tradicional em Porto Alegre, a Casa Moacir, no bairro Menino Deus, registrou na manhã deste domingo um cenário atípico: se a manhã de domingo é normalmente apinhada de clientes, hoje os corredores estavam mais silenciosos e até o estacionamento tinha espaço. 

O preço da carne praticamente dobrou de custo, segundo os funcionários, mas o valor foi segurado para não afastar a clientela. Cortes mais caros, como a costela de janela, foram substituídos pelos mais econômicos, como a costela sem osso. Cliente fiel, o administrador Jairo Lima, 63 anos, segue comprando no estabelecimento, mas incrementou a pesquisa de preços em outros locais. 

— Fui inclusive para outro açougue comprar costela. Tem que pesquisar. Olha o movimento baixo aqui, em geral tem fila essa hora — observou.

Outro cliente, o empresário Gustavo Borges, 32 anos, conta que nos dois restaurantes dos quais é proprietário, no bairro Higienópolis, a carne vermelha se tornou menos presente no buffet. 

— A gente fazia muita carne de panela. Agora, estamos oferecendo mais porco e frango, e usando carne moída para fazer bolinho de carne — conta. 

No Império das Carnes, no bairro Floresta, açougueiros oferecem opções mais econômicas, como chuleta, paleta, porco, frango, salsichão ou mesmo ovelha. 

— Nessa semana, o preço subiu três vezes. E foi difícil achar alcatra e paleta dos fornecedores. A costela sem osso vendíamos por R$ 15,90/kg. Agora, está R$ 29,90/kg — afirmou a dona do estabelecimento, Rejane Zibetti. 

Até o churrasco de domingo do aposentado Henrique Holbach, 61, foi cancelado para economizar. 

— Hoje cairia bem uma carne, mas a turma suspendeu. Vamos almoçar massa com carne de panela. Carne de segunda — disse. 

Na Casa de Carnes Calvin, no bairro Santo Antônio, o preço das carnes cresceu entre 20% e 30% nas últimas duas semanas. Filho do dono, Stéfano Calvin nota que os clientes estão comprando menos e trocando cortes: em vez de alcatra e de vazio, costela sem osso e capa de coxão. Foi o caso do analista de sistemas Marcelo Bergantal, 42 anos.

— Em vez de vazio, vou de costela sem osso. É um churrasco para três pessoas, uma carninha para se divertir — diz. 

No bairro Humaitá, a Casa de Carnes Polenta segura o preço para não afetar os clientes da região. Se a costela antes estava a R$ 18,90/kg, hoje está a 22,90/kg. A chuleta passou de R$ 19,90/kg para R$ 29,90/kg. 

— A gente tenta não morder o pessoal, senão eles fogem. Mas olha aqui: está quase vazio. Normalmente, estaria cheio de gente — afirmou o dono, Vanderlei da Silva. 

Quem não fugiu foi o montador Israel Soares, 41 anos, que comprava ripa da chuleta para um churrasco:

— Se tiver que se alimentar, que a gente se alimente bem — declarou, rindo.

Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o preço da carne “não vai baixar mais ao patamar que estava“. Ela diz que também contribuiu para o aumento a falta de reajuste nos preços nos últimos três anos. O presidente Jair Bolsonaro declarou que o valor cairá “daqui a algum tempo” e que o governo não irá interferir. 

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/